O MPLA (versão João Lourenço) mandou o Tribunal Constitucional (TC) angolano indeferir o pedido de impugnação do VIII Congresso Ordinário do MPLA, partido no poder há 46 anos, solicitado por António Venâncio, putativo pré-candidato à liderança do partido, por se tratar de uma “providência cautelar não especificada”.
O posicionamento do MPLA/João Lourenço, via TC, vem expresso num despacho datado de 7 de Dezembro de 2021, assinado pela juíza presidente de dupla nacionalidade da instância judicial, Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso, divulgado hoje.
Segundo o despacho, António Venâncio, militante do MPLA que viu rejeitada intenção de concorrer à liderança do partido neste congresso, requereu ao TC uma “providência cautelar não especificada em que solicita que seja intimado o MPLA a abster-se de realizar o congresso”.
O VIII Congresso Ordinário do MPLA teve início hoje e decorre até sábado, em Luanda, e João Lourenço, actual presidente do partido e da República (não nominalmente eleito) de Angola, é candidato único à liderança da formação política.
Na sua providência cautelar, refere o MPLA/TC, António Venâncio requer também que o MPLA “seja obrigado a recomeçar todo o processo orgânico do VIII Congresso, a nível central, elegendo uma comissão nacional eleitoral e procedendo à reestruturação e correcção da comissão nacional preparatória”. António Venâncio deu entrada da providência cautelar em 2 de Dezembro.
O Tribunal Constitucional sublinha igualmente – conforme despacho do MPLA – que o requerente alegou e concluiu que “pretendeu e pretende concorrer ao cargo de presidente do MPLA, mas se viu impedido de apresentar e formalizar sua candidatura, por ausência de uma comissão eleitoral”.
“Viu-se impedido de recolher assinaturas necessárias para apresentar e formalizar a sua candidatura, devido a actos de intimidação que os militantes seus apoiantes foram alvo, e por ausência, até à data, de uma comissão eleitoral, viu-se impossibilitado de apresentar as suas reclamações”, lê-se no despacho.
Alegou ainda que foram “desrespeitados o direito de eleger e ser eleito, previstos nos estatutos e regulamentos eleitoral do partido, o direito de ser tratado de forma igual aos demais militantes, a garantia da inviolabilidade dos seus direitos e deveres e a garantia de que as eleições para os cargos electivos do partido sejam realizadas sem que o eleitor sofra quaisquer pressões para votar num ou noutro candidato”.
Para o TC/MPLA de Angola, as referidas alegações e fundamentos, mormente no que respeita à natureza do processo adaptado pelo requerente, “permitem-nos concluir que o requerente se amparou de uma providência cautelar não especificada em detrimento do processo de impugnação de candidaturas”.
“Assim, é liminarmente indeferido o presente requerimento, nos termos do n.º 3 do artigo 474 do Código de Processo Civil, aplicável em virtude do disposto no artigo 2.º da Lei do Processo Constitucional”, concluiu o despacho do TC, tal como determinado pelo MPLA/João Lourenço.
Recorde-se que o político, há 47 anos militante do MPLA, solicitou à subcomissão de candidaturas da Comissão Nacional Preparatória do VIII congresso ordinário do partido, a prorrogação do prazo para apresentação de candidaturas, que decorreu entre 20 de Outubro e 5 de Novembro, mas o pedido foi rejeitado.
Na altura esqueceu-se de juntar um documento onde assumiria que votaria em João Lourenço. Falha estatutariamente grave, comparável a um golpe de Estado.
Questionado se era este o desfecho esperado, António Venâncio referiu que estava à espera de “debilidades nessa passagem de um partido pouco democrático para um partido democrático”.
“Esta é uma passagem dura, difícil, um parto duro, e há até incompreensões, que também nós já estávamos a contar, como aquelas relativamente a uma candidatura desse género, de um militante que se propõe a liderar o partido. Portanto, há essas imprecisões, imperfeições, incompreensões, com as quais nós estávamos a contar, mas também estávamos a contar com a nossa coragem e com a nossa força e estamos aqui exactamente para isto, para lutarmos até onde as nossas forças o permitirem”, afirmou.
Por outras palavras, António Venâncio queria adoptar a histórica máxima do MPLA (A luta continua, a vitória é certa) mas, esqueceu-se de referir, com uma ligeira modificação de “actualidade”: A luta continua, a vitória (de João Lourenço) é certa.
A subcomissão de candidaturas da Comissão Nacional Preparatória do VIII congresso ordinário do MPLA disse na altura que recebeu apenas uma carta de reclamação do candidato a pedir prorrogação de prazos, o que, por força das normas estatutárias, foi considerado “impraticável”.
António Venâncio considerou que o seu partido é “uma soma de experiências”, iniciada em 1962, frisando que esta fase é de mais uma experiência. Experiência balizadas por dois pilares fundamentais estabelecidos por Agostinho Neto: Massacres de 27 de Maio de 1977 e “não vamos perder tempo com julgamentos”.
“E cada vez que a gente vive uma experiência, a gente enriquece, de tal ordem que o futuro é cada vez mais promissor para o próprio MPLA. Estamos no processo de aprendizagem, há até insultos, há provocações, mas isto é um processo de aprendizagem”, declarou.
Apesar da rejeição da candidatura, António Venâncio considera que a sua carreira política não fica beliscada, lembrando que o efeito é contrário quando se pretende “abafar, silenciar” se os procedimentos não forem os mais correctos.
“No meu caso concreto não era tão conhecido como agora, apesar de ter palmilhado o país, milhares de quilómetros. Eu sou um homem de obras, de projectos, de fiscalização, percorri o país de lés-a-lés, conheço todos os povos do país, estive em Cabinda a trabalhar, no Cuemba (Bié), no Cunene, no Huambo, em toda a parte do país, ao longo de mais de 30 anos e conheço o meu povo”, sublinhou.
António Venâncio assumiu que queria trazer “uma visão diferente, nova” para a política, com a qual “se calhar algumas pessoas estão com algum receio de que possa trazer benefícios” pelos quais antes se lutou e não se conseguiu.
“Portanto, creio que o meu destino está no MPLA, vamos lutar para que tudo corra bem, para que tudo se realize nos marcos dos estatutos, nos regulamentos e que os nossos direitos sejam respeitados”, frisou.
António Venâncio adiantou que se fosse candidato iria apresentar a sua lista com outros nomes que conhece, “que podem dar o melhor para o partido”, o que provavelmente alguns dos seus “camaradas” receiam por saberem que não os iria cooptar para integrarem determinado tipo de órgãos.
“Eu nunca revelei essa minha lista, mas as pessoas sabem que eu terei uma lista com uma proposta para o vice-presidente do partido, para o vice-presidente da República, para os membros do Comité Central, para o Bureau Político e, portanto, estou plenamente tranquilo relativamente a alguma resistência que possa aparecer da própria estrutura interna do partido, porque configura uma mudança”, frisou.
Coordenador de um grupo temático no Comité dos Engenheiros do MPLA, última função que ocupou no partido, António Venâncio foi delegado ao comité de distrito e delegado a vários eventos do partido.
De acordo com António Venâncio, o líder do partido, João Lourenço, único candidato à presidência do MPLA no VIII congresso ordinário “não estará a dar toda a atenção que seria necessária prestar agora”, não tendo “se calhar” tomado este processo “como um processo histórico”.
“Provavelmente não terá dado essa valoração. Acho que estamos a viver um processo histórico em que os delegados há quatro anos decidiram empreender uma nova forma de ocupação do cargo de presidente do MPLA, ou seja, que não fosse apenas por uma simples indicação, mas que fosse no âmbito de uma concorrência entre vários cérebros do partido”, referiu.
O mandatário do candidato, Felisberto Costa, disse que foram várias as obstruções que sofreu o processo de candidatura, a mais flagrante delas o acesso vetado aos órgãos de comunicação social públicos.
“Não nos esqueçamos que quem comanda na prática o sistema nacional de comunicação social neste país é o titular do poder executivo, que é ao mesmo tempo o presidente do MPLA, não podemos esquecer isso, quer uma obstrução mais concreta do que a comunicação social fez à candidatura do engenheiro António Venâncio, há um melhor exemplo a dar? Achamos essa muito, grave e prejudicial aos interesses do pré-candidato”, apontou.
Folha 8 com Lusa